Futurólogo da BBC e Nokia critica venda de cópias de downloads, destaca importância de programadores e equipara publishers a "empresas de multimídia".
O limite que separava canais de TVs, estações de rádio e editoras de revistas, livros e jornais caiu - todas, daqui para frente, são empresas de multimídia.
A principal consequência da movimentação será a transformação do conteúdo em software: ou você oferece plataformas para melhor interação com os vídeos, as fotos, o texto e os gráficos e ganha destaque no entrocamento ou está condenado a repetir um modelo analógico de negócios.
A linha de pensamento é apresentada pelo futurólogo Gerd Leonhard nesta entrevista ao IDG Now!, em que detalha possíveis caminhos que editoras podem tomar para oferecer conteúdos mais interativos a seus usuários pode meio de plataformas como tablets, encarnados no hype com o lançamento do iPad, da Apple.
Em visita ao Brasil, onde falou no Mobile Monday desta segunda-feira (22/2) e ainda se apresentará no "The Future of Communication and Social Media", organizado pela agência NBS, Leonhard também discorre sobre o pagamento por conteúdo jornalístico online, defendido tradicional pelo The Wall Street Journal e seguido por The New York Times e Le Figaro.
Consultor de empresas como Nokia, BBC, Google e Sony/BMG, o futurólogo ainda enaltece veículos como Wired, The Guardian e NPR, além do próprio NYTimes, pelo uso de plataformas abertas e por ajudarem no que chamou de "cultura das APIs".
A Apple já media a venda de filmes e música entre estúdios e gravadoras com usuários pela iTunes Music Store. O iPad colocar a empresa no mesmo caminho para vender revistas e jornais?
Acho bom deixar claro que a Apple não vende conteúdos, mas sim hardware. O negócio primordial da Apple é garantir que os publishers estejam felizes. A Apple dá a eles (estúdios e gravadoras) a ilusão de que têm controle sobre seus conteúdos. Se considerarmos a música como um exemplo, as gravadoras adoram a iTunes (Music Store) pelos preços altos e pelas proteções (contra cópias), mas ninguém está comprando. Quer dizer, foram 7 bilhões de arquivos em 5 anos. Os números são muito baixos.
Comparados às trocas de arquivos por P2P?
Bom, é um número consideravelmente pequeno considerando o volume total de potenciais compradores de músicas. Você tem que ter um iPod, tem que gostar da Apple, ter um sistema de pagamento, pagar dólares... Isso quer dizer que menos de 2% da população está comprando (música) da Apple. A Apple não liga, já que a maioria do conteúdo no iPod não é comprado, é gratuito.
Acho que (a intermediação da Apple para livros, revistas e jornais) vai na mesma direção que todos os outros conteúdo. Basicamente, os publishers terão que começar a perceber que não podem usar tecnologia para assegurar preços altos e proteção contra cópias, já que ninguém vai se envolver em uma escala maior, apenas alguns consumidores exclusivos. Se eles se apoiarem na Apple para salvá-los, definitivamente isso não vai acontecer.
Há algum perigo na Apple acumular este papel de intermediador em conteúdos como filmes, músicas, revistas, livros e jornais?
O problema não está na Apple ou na tecnologias, mas sim no pensamento dos publishers em relação ao que podem fazer com o leitor. Em outras palavras, se o publisher vai usar o iPad para distribuir ainda mais conteúdo protegido, a maioria não comprará. É exatamente o que vimos com música: é ótimo, mas a maior parte dos usuários não comprará.
É obrigações das editoras de livros, jornais e revistas criarem novos modelos de negócios baseados nesta tecnologia, sem usá-la para trazer o antigo de volta. Por exemplo, podemos falar sobre a discussão do Kindle e o preço do livro eletrônico, que custa uma média de 9,9 dólares. As editoras querem cobrar mais, e não menos, pelo livro eletrônico. E isto é, obviamente, um grande erro.
Basicamente, o modelo de negócios para conteúdo digital não será baseado na venda de cópias de downloads. Vender downloads vai ser uma parte da estratégia para fazer dinheiro. Se você baixar muito o preço e convencer não 2%, mas 8% da população a comprar, então você também pode vender outras coisas.
Como o quê?
Uma editora, por exemplo, após vender a cópia de um livro de negócios, pode oferecer uma compilação dos 50 melhores capítulos de livros de negócios por 10 dólares com todos os extras que apenas a editora pode elaborar. O problema da mídia digital é que precisamos oferecer mais valor por um preço menor.
É mais ou menos como os estúdios de cinema vêm promovendo a tecnologia 3D como forma de oferecer uma experiência cinematográfica que a cópia vendida no camelô ou baixada não pode oferecer?
Existe, evidentemente, uma diferença. Quando você vê um filme no cinema, vai gastar quase duas horas do seu tempo. Você está mais propenso a gastar mais dinheiro. Quando você acessa notícias, lê um livro e ouve música, não precisa deste tipo de comprometimento. O sistema (de consumo) é completamente diferente.
O animador em relação ao iPad (e também a outros tablets e smartphones) é que os leitores podem se envolver profundamente com o conteúdo. Acho que é possível vender isto, mas é preciso estar esperto sobre como vender. Meu alerta para publisher é não fazer o que a indústria da música fez: pedir mais dinheiro, adicionar proteção contra cópias e não oferecer em determinados países.
Você viu o preview que a Wired publicou de como a revista deverá ser lida em tablets como o iPad? São essas as funções extras (como infrográficos em movimento) das quais você fala?
Sim, com certeza. É bom lembrar que, com estes tipos de aparelhos, todas as editoras de livros e revistas estão virando empresas de multimídia. Estamos perdendo a distinção entre editoras e estações de TV ou rádio. Essencialmente, toda empresa que está na indústria de conteúdo começa a ser uma produtora de conteúdo em diferentes plataformas. Esta é uma tendência para a qual a maioria das empresas não está preparada. O conteúdo está virando software. Não será fácil para as editoras.
Isto significa que editoras precisão contratar programadores da mesma forma como contratam hoje jornalistas, designers e fotógrafos?
De certa maneira sim, mas acho que já existem algumas plataformas que você pode explorar. Você pode usar softwares já existentes para publicar nesta mídia, como Blogger e TypePad são usadas por blogueiros ou Ning para redes sociais.
São plataformas robustas e confiáveis que simplesmente podemos usar. No entanto, as editoras precisam mudar a forma como veem seus conteúdos. Quando você vende um livro, não cobra pelas palavras, elas apenas fazem parte do processo. Veremos livros patrocinados por anúncios e revistas sustentadas por anúncios interativos.
O pagamento por conteúdo digital defendido pelo The Wall Street Journal está sendo seguido por jornais como The New York Times e Le Figaro. Trata-se de um caminho sem volta?
Coloquemos desta forma: acho que existem muitas maneiras de se cobrar por conteúdo, mas o problema é depender em apenas um caminho, já que cada continente é diferente, cada comunidade de usuários é diferente, cada país é diferente e cada cultura é diferente. A resposta seria "depende".
No geral, não acho que muitos jornais poderão cobrar por conteúdo da mesma forma como o The Wall Street Journal cobra. É uma audiência especial por não ser sensível à questão financeira. Se você tem uma audiência assim também, então você pode cobrar facilmente.
Mas acho que o modelo de jornais e revistas cobradas online não funcionará para a maioria delas. Funcionará àqueles que têm um valor extra. O princípio é sempre o mesmo: você precisa se conectar com seus usuários. Você tem que dar uma razão para comprar (a assinatura). Se não dá algo realmente justo, razoável e com preço justo, ele simplesmente vai te ignorar. o New York Times já tentou cobrar por assinaturas há três anos, mas conseguiu só 275 mil pessoas. Quase ninguém, basicamente.
O NYTimes se encaixa neste perfil de publicação que você descreveu para cobrar?
Eles têm (e algo que todos os publishers precisam) é confiança por parte dos leitores. Sempre que eles estiverem envolvidos com notícias (independente da fonte), será melhor. Por exemplo, algo que eles já vêm fazendo é acrescentar opiniões externas editadas, para que eu possa ler o NYTimes e trezentas outras fontes de tecnologia que foram filtradas.
Se eles me oferecerem ferramentas para achar notícias mais rapidamente, se eles me permitirem customizar a interface, então o NYTimes pode se tornar um canal importante para que eu possa comprar (assinatura).
A indústria de conteúdo deve olhar para as fabricantes de games como grande exemplo, já que muitos dos jogos estão sendo oferecidos de graça, especialmente social games, como os produzidos pela Zinga. Esses games são de graça, mas mais da metade estão gastando dinheiro comprando itens.
Acho que o NYTimes vai ter bastante sucesso quando passar pela sua crise - eles precisam se livrar de gastos antigos. O problema dos jornais não é que eles não conseguem (se pagar na web), mas sim que 80% de todo o gasto da operação não tem nada a ver com internet. Tem a ver com caminhões, impressoras e prédios.
Se eles se livrassem disso, poderiam render o suficiente para ter uma operação online sustentável. A realidade na maioria de revistas e jornais é que a produção de conteúdo consome apenas 20% do budget. O resto tem a ver com a produção física. Não é o conteúdo que consome muito dinheiro, é todo o resto que "come" o lucro.
Qual empresa de conteúdo (seja ela canal de TV, estação de rádio ou editora de livros, revistas e jornais) vem reaproveitando seu conteúdo para web e aparelhos móveis de maneira mais interessante?
Gosto muito do que o NYTimes vem fazendo, criando extras em suas aplicações móveis e oferecendo fontes externas em seu próprio site. Gosto da National Public Radio. Eles tem um aplicativo para iPhone que é simplesmente fantástico. Gosto do The Guardian, no Reino Unido, que tem uma plataforma totalmente com APIs e afins. É surpreendente. Adoro o que a Wired que vem fazendo, acho que eles têm muito sucesso na estratégia de marcas, com o site, os blogs e a revista.
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